Resposta aos currículos

Estavamos em 1986, na altura eu tinha na minha pequena empresa 16 clientes e dava emprego a 3 funcionários. Nesse ano, Portugal tivera aderido à CEE, hoje União Europeia (UE), e logo surgiram apoios comunitários que se destinavam a apoiar a economia. Depois de ter gasto centenas de contos na elaboração desse projecto, apresentei a minha candidatura e logo veio a resposta:

- Seu projecto foi aprovado mas tem que pedir mais dinheiro. 

- Mas eu não preciso, só quero dinheiro para alugar umas instalações maiores, para ter espaço para criar mais emprego e comprar alguma da tecnologia necessária. 

- Mas tem que pedir mais dinheiro, e tem que fornecer todos os meses os balancetes e a disquete com a facturação ao Banco de Portugal.

Muito bem! Eu fiz isso mas a ideia de ter que pedir mais dinheiro ficou-me atravessada, não compreendi muito bem na altura, mas vim a compreender mais tarde, pois percebi que seria para besuntar alguns intermediários. 

Ao fim de alguns meses questionei o responsável pela candidatura do projecto o que me foi respondido:

- O Banco de Portugal disse que o seu projecto é muito rentável e por essa razão eu teria que me mandar sozinho, não o iria ser apoiado. Também me disse que por ser rentável iriam financiar as Faculdades Privadas. Muito bem, então saí fora. Perdi todo o interesse em procurar novos clientes e novos trabalhadores. Nada mais me interessou além de apenas me querer especializar ainda mais na minha actividade. 

https://www.youtube.com/watch?v=VfHbzXXjkCc


Passaram-se alguns anos, o tempo de terminarem as primeiras licenciaturas dessas faculdades privadas e comecei a receber na minha caixa de correio quase diariamente várias dezenas de currículos de jovens que se acabaram de licenciar nessas faculdades privadas, outrora financiadas com os fundos comunitários que as minhas informações contabilistas facilitaram. Também recebi cartas e telefonemas de directores das mesmas a solicitar que colocasse estagiários na minha empresa, mas aí a minha resposta foi sempre o não, o não porque achei que depois de me terem comido a carne me estavam a querer comer os ossos. 

Actualmente já estou reformado, apenas entretido a fazer alguns trabalhos, e nada faço para encontrar novos clientes dentistas, mas se me procurarem terei o maior gosto em os ajudar com os meus serviços. 

Aprendi que a esta classe não se pode pedir nada, e só a alguns é que se pode oferecer, e mesmo assim às vezes é um problema para receber os serviços prestados. Pagam mal, não valorizam trabalho com qualidade, mas cobram-se bem dos mesmos. Essa é uma das principais razões que me desmotiva, pois não me dão qualquer margem para ter bons profissionais, porque bons profissionais também querem receber bons salários. 

Outra coisa, se não a mais importante, que desmotiva a criação de emprego é o facto de abrirem laboratórios nas suas clinicas e depois aliciam os meus empregados a deixarem de trabalhar comigo. Então se eu especializo técnicos a fazerem bons serviços, os valores invertem-se, eu não teria que pagar ordenados mas sim receber por ter estagiários, pois seriam eles um dia os meus maiores concorrentes. 

Este artigo é uma resposta aos candidatos que ainda hoje me continuam a enviar currículos.

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