A Crise é de Valores

A propósito de tanto se falar de crise e da necessidade de se ter que recuar muitos anos na história para restaurar uma economia falida, para desta forma se resolverem os problemas que nunca foram resolvidos e que tendiam cada vez mais a aumentar. Recordo com saudade os tempos da crise de há 40 anos, sim, porque já nessa época só se falava de crise. O certo é que os tempos de crise são sempre os mesmos mas agora maiores, pois temos que a esses tempos adicionar dos actuais. Pela soma das crises conseguimos perceber que a falsa economia é sempre gerada por pessoas com muito pouco valor, que constantemente destroem a obra criada outrora por pessoas com muito mais valor que as existentes no agora. E o que é mais grave é o facto de nem darem conta disso, ou fazem-se de cegos para disso tirarem partido.
Assim, a cada passo a nova crise sempre se transforma numa mais falsa economia de valores.

Conheci-o numa altura em que regressava do serviço militar e procurava alguma estabilidade na minha profissão. Tive alguma sorte por ele ter reconhecido o meu trabalho, mas ao fim de ano e meio eu estava completamente preso a ele com uma dívida de 100M$, hoje seriam uns 500€, dinheiro esse que ele me tivera emprestado para que eu pudesse exercer  a minha actividade com alguma dignidade.  Sem duvida que essa responsabilidade contribuiu fortemente para que eu me ligasse ainda mais a ele e à minha actividade, mas reconheço hoje e tenho toda a certeza que se não o tivesse conhecido, teria procurado uma outra profissão.
Apenas convivi com o Prof. Esteves Pereira uns 6 anos, o suficiente para aprender o principal. Tivemos uma relação muito profissional de cliente para fornecedor até ao último dia da sua vida.
A tentativa que ele já tivera feito no passado ao investir num laboratório privado não lhe teria sido bem sucedida, porque sempre foi e será difícil estas duas classes fundirem seus negócios. 
Percebi então que o dinheiro que ele me tivera emprestado na altura também lhe tivera rendido muito mais do que se o tivesse depositado em bancos. Portanto, foi assim que com a sua ajuda consegui adquirir alguma da minha primeira tecnologia e que sempre fiz por a ter ao serviço de profissionais com o mesmo tipo de valores. 
Reza a história que o Sr. Prof. Dr. Esteves Pereira, já a exercer a sua actividade em clínica privada, interrompeu a mesma por um período de oito meses, fechando-se em casa sem nunca de lá ter saído, para poder concentrar-se a estudar. Pretendia com essa sua iniciativa e talento, candidatar-se ao mais alto cargo, o de Director do Serviço de Estomatologia do Hospital S. João no Porto, o que conseguiu com grande distinção. Mais tarde esse cargo lhe deu a possibilidade de fundar da Escola de Medicina-Dentária da Universidade do Porto pois até à época só se faziam Licenciaturas em Estomatologia.
Com este post, pretendo recuar ao meu passado para partilhar com o leitor, um minuto de muitos que partilhei com seu carácter, pois este viria a influenciar para sempre a minha forma de estar na profissão, lidar com a economia, e deste modo com os outros, sejam eles clientes ou fornecedores:
- Estava eu um dia na sala de espera do seu consultório, encostado ao balcão da recepção a aguardar que me fosse dada ordem para entrar para um dos gabinetes, onde iria ser atendido pelo Sr. Prof. para falarmos sobre um qualquer trabalho que decorria. Nisto sai uma doente cheia de pressa de um dos gabinetes e dirigindo-se à recepção, pergunta quanto é,  o que lhe foi respondido, faz o pagamento da sua consulta pousando o dinheiro no balcão, e despede-se saindo a correr cheia de pressa, possivelmente muito atrasada para algum compromisso. A recepcionista, Da Regina Vaz Osório, esposa do Sr Professor, estava ao telefone, pede licença para interromper a chamada, pousa o telefone e sai a correr pelo corredor em direção ao elevador e começa a chamar a paciente que se via bem que estava cheia de pressa. Então ambas regressam ao consultório e nisto a Da Regina vira-se para ela e diz bem alto que dava para se ouvir em todo o prédio: -"Daqui não sai ninguém sem recibo".
Este artigo foi publicado neste Blog em outubro de 2006, posteriormente o texto foi revisto, mas para meu espanto, em janeiro de 2007 o governo, da altura, saiu-se com um decreto lei que obrigava a que todas as actividades teriam que passar recibo, e como aliciante para quem o exigisse sortearia todas as semanas automóveis da marca Audi. Sem comentários.